AMOSTRAS DE NEGRURA
Desde o início do mundo que existem três tipos de trevas:
(1) as Trevas Cimérias, entre os anos em que os oceanos tragaram a Atlântida e os anos da ascensão dos filhos de Aryas, que só podiam ser cortados por espadas ou mirra bárbaras;
(2) o Coração das Trevas, inventado na Bélgica para exportação e ainda utilizado para dar sabor a pralines e outros chocolates caros; (3) o Cabelo das Trevas, vislumbrado numa visão pelo profeta blasfemo Hakim Mokanna e descrito como pertencente
a uma terrível mulher-demónio ou deusa usurpada sentada num trono desconfortável numa casa sem telhado no centro de uma ilha distante, que visivelmente fraquejava sob o peso da sua impossível coroa orgânica, um cone de caracóis grotescos e louros que se erguiam para o céu como uma torre e que, na verdade, tocavam um ponto do firmamento directamente oposto à posição do sol no lado mais distante do mundo.

Hakim sobressaltou-se, a imagem desapareceu e nem mesmo os seus seguidores mais devotos– os que aceitavam a repulsa como
uma virtude cardinal – atribuíram qualquer importância a uma aparição tão ridiculamente vil. Independentemente da intensidade, sejam densas trevas ou pálidos crepúsculos ou penumbras moderadas, quer ocasionalmente cintilando ou tacteando como certas senhoras, sobretudo da noite, por vezes
de manhã, todos os outros tipos de trevas são meras variações
desta Trindade de Negrumes.

CONCEPÇÃO NOJENTA
No preciso momento em que o engenheiro espanhol Juan de la Cierva executava o voo de baptismo do seu primeiro autogiro, foi concebida uma criança na monótona cidade industrial de Grantham, em Inglaterra. A gestação e o parto foram difíceis
e invulgarmente longos para a mãe. O pai era um merceeiro conhecido por vender os vegetais mais velhos da região e pouco depois começou a circular um boato de que até o fruto da sua descendência estava ultrapassado e podre. Os pais escolheram chamar à bebé Margaret e não sabiam explicar porquê.

Na noite do equinócio de Outono de 1926, uma explosão gigantesca abalou as chaminés das casas de Grantham, pois uma central química na periferia tinha-se incendiado, fazendo com que uma grande nuvem de dióxido de enxofre vagueasse por cima da cidade. De modo a aliviar o fedor do seu stock a apodrecer, o merceeiro havia já escancarado todas as portas e janelas da sua loja e continuava sem saber que a sua filha, que dormia no andar superior, estava a engolir enormes quantidades de gás sulfuroso. Na manhã seguinte, encontrou-a quase morta no berço, com o branco dos olhos permanentemente manchado num amarelo rançoso, a língua inchada e horrível,
e as mãos retorcidas em garras. Mas o enxofre faz bem à pele e, depois de ter recuperado, nunca mais teve comichão no couro cabeludo, não importando o quão desumanos fossem os seus penteados subsequentes. Desenvolveu também um interesse precoce pela química.